

Juventudes em foco: Juvenilização das Infâncias – um descompasso no ritmo próprio do crescimento
Em: 10/07/2025
Por: Eduardo Schmitz
Categorias: Portal Blog
Por: Cassiana Gonçalves Ferreira, licenciada em Letras e Pedagogia com especialização em Orientação e Supervisão Escolar, Educação Especial e Juventudes. Atua na Coordenação Pedagógica da Educação Infantil do Colégio Salesiano de Itajaí.
A criança é um sujeito ativo, protagonista, potente, sensível, curioso e criativo. Ser criança não significa, apenas, estar em preparação para o futuro — embora tudo o que se viva nessa fase da vida influencie a trajetória da pessoa como um todo. Philippe Ariès (2012), em sua obra seminal História Social da Criança e da Família, mostra que a noção de infância como uma etapa distinta, com direitos e especificidades, é uma construção histórica. Na Idade Média, a criança era tratada como um adulto em miniatura, inserida precocemente na vida social, sem a devida consideração por sua imaturidade psíquica e biológica.
A partir do século XVII, com o surgimento do “sentimento de infância”, passou-se a reconhecer que a criança necessitava de cuidados diferenciados, o que se refletiu na escolarização e na criação de espaços próprios para sua formação. Com o tempo, essas concepções evoluíram até que a criança passou a ser vista como sujeito de direitos — com voz, vontades, necessidades e potencialidades singulares. Não se trata de adotar uma ideia sobre o que a infância deve ser, mas de abrir espaço para a escuta e para a valorização da pluralidade das infâncias.

A vivência da infância não é linear nem igualitária entre todas as crianças. Daí a compreensão de que não existe uma infância, mas infâncias. Essa concepção reconhece que essa etapa da vida também é atravessada por fatores históricos, sociais e culturais. As experiências infantis variam conforme o tempo, o espaço e o contexto sociocultural em que a criança está inserida. A infância não se restringe a uma cronologia do crescimento: ela se realiza na experiência, na linguagem, no brincar e na invenção de mundos. A criança é, antes de tudo, potência de criação.
Entretanto, essa construção social da infância está sujeita a diferentes concepções e, por vezes, a visões antagônicas dentro de uma mesma sociedade. Algumas valorizam a infância pelo que ela é, enquanto outras ainda a percebem apenas pelo que ela ainda não é, descaracterizando as particularidades desse tempo de desenvolvimento e antecipando etapas. Pode-se compreender essa antecipação como sintoma de uma sociedade que acelera tudo — até o crescer.
Infâncias de classes médias e altas são atravessadas por um consumo simbólico e estético que simula a juventude como ideal. O próprio adulto, influenciado por ideais midiáticos, busca incessantemente a fonte da eterna juventude por meio de procedimentos estéticos, vestimentas, costumes e linguagens características das culturas juvenis. Assim, a adultização infantil assume uma roupagem juvenil, descaracterizando o que é próprio de cada uma dessas etapas específicas da vida. Em contrapartida, crianças pertencentes a camadas mais empobrecidas da sociedade vivenciam a antecipação de fases não só através desta influência midiática, mas também sob formas mais cruéis, como o trabalho precoce ou a adultização forçada, consequência da pobreza e da ausência de políticas públicas que garantam acesso a direitos básicos como educação, saúde e lazer.

A juvenilização das infâncias, portanto, manifesta-se na antecipação de comportamentos, valores e estéticas típicas da adolescência. Práticas como o uso precoce de maquiagem, a exposição em redes sociais e até a erotização simbólica refletem a captura da infância pela lógica mercadológica (Costa, 2009). A cultura visual e os discursos publicitários produzem imagens idealizadas de maturidade e consumo, acelerando os processos de identificação e socialização. Essa juvenilização precoce é alimentada por um ecossistema de imagens, tendências, influencers e modelos de sucesso. A mídia exerce papel central ao transformar a infância em território de mercado, com produtos, roupas e comportamentos voltados a simular a juventude. Como alerta Costa (2009), vivemos sob o signo da felicidade imediata e da descartabilidade — o que afeta, inclusive, a forma como tratamos a infância: como se fosse um ensaio apressado para a juventude. O brincar, elemento central da infância, tem sido substituído por performances juvenilizadas que priorizam visibilidade e desempenho, em detrimento da ludicidade e da espontaneidade.

Com base na teoria de Vigotski (2004), compreende-se que o desenvolvimento humano ocorre por meio da mediação social e cultural. Quando as exigências impostas não estão em sintonia com a maturidade psíquica e afetiva da criança, surgem riscos de lacunas no desenvolvimento e prejuízos à constituição identitária. Esses prejuízos comprometem tanto o presente quanto o futuro: a criança deixa de ser criança e perde a possibilidade de se expressar por meio das linguagens próprias da infância. E a linguagem primordial da infância é o brincar. Mais que uma linguagem, é um direito. Brincar amplia repertórios culturais, possibilita a construção de sentidos, o desenvolvimento da imaginação, do pensamento simbólico e da expressão, favorece a socialização e, com ela, as interações e relações que contribuem para a constituição da identidade.
Há muito a refletir e aprofundar sobre essa realidade e sobre os tantos direitos negligenciados a uma infância que tem sua passagem antecipada — o principal deles talvez seja o direito ao tempo presente —, seja pelos ideais de consumo, seja pelas desigualdades sociais. O que aqui se apresenta é apenas uma provocação. Pensar a infância exige sensibilidade. Resgatar a infância como tempo legítimo é escutar seus gritos, mas também seus silêncios; é respeitar seus ritmos, estimular suas possibilidades, potencializar e legitimar suas linguagens. Isso implica políticas públicas efetivas, mas também uma mudança no olhar social: menos pressa, mais presença. Essa não é uma problemática individual ou restrita ao ambiente familiar — trata-se de um fenômeno social que exige respostas fundamentadas numa ética coletiva, comprometida com as crianças.

“Uma criança que não sorri, uma criança que não sonha, não poderá conhecer nem fazer desabrochar os seus talentos. Em toda a parte do mundo há crianças exploradas por uma economia que não respeita a vida; uma economia que, ao fazê-lo, queima a nossa maior reserva de esperança e de amor. […] Não podemos permanecer indiferentes; não podemos aceitar que as meninas e os meninos, em vez de serem amados e protegidos, lhes seja roubada a sua infância, os seus sonhos…”
(Papa Francisco, Audiência Geral, 08/01/2025)
Neste ano, o Observatório Salesiano de Juventudes está organizando a série de textos Juventudes em Foco. As publicações serão aqui no site da inspetoria. Serão pequenas reflexões sobre as realidades e culturas juvenis, em suas mais variadas expressões e desafios. Serão escritas por educadores, professores, gestores e colaboradores salesianos, que vão partilhar seu conhecimento e sua experiência de forma simples, com o objetivo de pensarmos juntos e juntas.
Acompanhe nossas próximas publicações, compartilhe com os educadores da sua obra, com as lideranças paroquiais, catequistas e todas as pessoas que, assim como nós, tem um coração salesiano.
Você também gostaria de participar escrevendo uma reflexão ou sugerindo temas? Escreve para a gente: observatoriosalesiano@dombosco.net
Referências Bibliográficas
ARIÈS, P. História social da criança e da família. 2. ed. Rio de Janeiro: LTC, 2012.
COSTA, M. C. da. A criança na sociedade do consumo: experiências e paradoxos da cultura midiática. São Paulo: Cortez, 2009.
FRANCISCO. Audiência geral de 8 de janeiro de 2025. Vaticano, 8 jan. 2025. Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/audiences/2025/documents/20250108-udienza-generale.html. Acesso em: 15 de junho de 2025.
KOHAN, W. O. A infância da educação: o conceito devir-criança. Revista Educação Pública. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br. Acesso em: 26 jun. 2025.
SILVA, D. K. D.; SANTOS, I. K. B.; SILVA JÚNIOR, M. C. Considerações sobre a adultização da infância na contemporaneidade. Faculdade Cidade Verde, Maringá-PR, 2018.
VIGOTSKI, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
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